Monday, May 19, 2008

Preguiça

Às vezes me vem um ímpeto - um amigo meu usou outro dia a palavra rompante, que não me sai da cabeça - que passa no mesmo repente em que aparece. Sabe aquela vontade de dançar, ler e conversar ao mesmo tempo?! Uma agitação esquisita... não sei lidar com ela.

Quando abri este espaço, falei sobre minhas vontades, que nunca saem dos planos. Eu planejo a monografia que tenho que escrever (e cujo prazo fica cada vez - evidentemente - mais curto), mas nada leio para preenchê-la; planejo minha manhã de sábado na feira, mas fico na cama, preguiçoso, até meio-dia; planejo uma rotina de trabalho mega eficiente, mas, quando chego lá, afundo-me de negligências e acabo fazendo bem menos do que minha capacidade permite; planejo, inclusive, meu precioso tempo com os amigos - e aí vem aquela vontade de ficar sozinho, blasé, e acabo não ligando pra ninguém.

Ok, um drama! Mas, e aí? Eu sou um planejador nato! E minha formação contribuiu muito para aprimorar esse meu lado. Só que viver está na prática, na execução. Percebe? Toda essa minha energia latente acaba virando barriga. Uma barriga que não se queima, não endurece. Com todas as minhas andanças, percebo que há uma forma muito fácil e gostosa de gastar toda essa energia. Aí eu paro. Porque é assim, eu fico sempre iminente a, mas nunca faço de fato.

E pronto. Não quero mais escrever agora.

Tuesday, September 18, 2007

Paradoxo.

Programo meu despertador para três horários diferentes, todos os dias, tamanha minha dificuldade em levantar da cama. Por maior que sempre tenha sido meu amor pela manhã, nunca consegui lidar bem com ela. Talvez porque minha sintonia com a noite - que não me permite dormir - e minha ansiedade - que não me permite cultivar a realização futura, por mais que ela prometa ser maior - não me permitam viver a manhã.

Este é o primeiro paradoxo com que tenho que lidar todos os dias. Vejo os pequenos paradoxos como negativos de uma realidade. Como num negativo fotográfico, em que os pontos mais luminosos serão os mais escuros na imagem de fato. Quando me deparo com meus negativos mundanos, vejo-os como a mim mesmo, preso num espelho, encarando-me de volta ou focalizado no mesmo ponto. É assustador o impacto desses personagens sobre mim; invade-me a alma uma vontade de desprender-me de objetivos e anseios vitais para peitar uma briga de forças contra o universo. É a moral do "aqui-se-faz-aqui-se-paga" que vem e assopra minha nuca, abre meus poros e faz-me sentir possuído e ameaçado.

Sunday, August 26, 2007

Sapiência

Saber é conhecer, ser ou estar informado, ter conhecimento de. E como é que se sabe? Buscando a informação, procurando o conhecimento. Livros ensinam algumas coisas, a vida ensina e/ ou aprimora outras... mas, há algumas coisas de que simplesmente não se pode ter certeza. Perguntar nem sempre é uma ferramenta disponível. E aí?

Aí a gente cai em conjecturas. E elas vão como que construindo coisas sobre solo arenoso, instável. A instabilidade nos torna frágeis e, portanto, facilmente derrotáveis. Meus ossos quebram como palitos cada vez que vivo o tremor em uma das lajes do meu castelo. Sinto-me desprotegido e, engolido por minha arrogância, recuso-me a abandonar o aconchego de casa para projetar-me ao mundo físico, estável na sua realidade. Encurralado, debulho-me em pensamentos e mais ilusões se formam. E meu castelo ganha um novo salão.

E assim sigo. Nos ares. Nos mares. Em lugar algum.

Friday, February 02, 2007

Leitura dinâmica

É bom estar de volta. É bom ter reencontrado meus grandes amigos, de tão belas experiências, de horas a fio de uma parceria quase etérea. Ler é ótimo. Livros, gibis, rótulos de shampoo são uma ótima companhia: dá pra jogar na roleta com o Ivánovitch, fazer uma viagem de trem com Bernard e ter a consciência de que a vida não será a mesma depois daquele momento, apanhar com o Cebolinha e aprender que, “para maior eficicácia, repita a operação”... a gente passeia pelas Cidades Invisíveis da imaginação e esquece-se de tudo, chegando ao cúmulo (!) de descobrir-se outra pessoa.

Ler me dá vontade de escrever. Como o Sartre [mas sem querer equiparar-me a ele], pra juntar as palavras eu também começo lendo, para só depois escrever. É bom voltar a gastar o dinheiro que eu não tenho em livros, ao invés de beber ou comer ou dançar todo ele. Abrir um livro novinho, sentir o seu cheiro e perceber-se preenchido por interrogações. Aí a gente caminha pelas páginas, participa da trama e... acaba. Aí vem aquela sensação de vazio. Helena, você tinha que morrer de vergonha?

Tuesday, January 16, 2007

Carta

"É claro que eu não me esqueci da resposta do seu e-mail. Toda vez que eu acesso o gmail, tem lá, ao lado da sua mensagem, um draft escrito em vermelho em homenagem ao meu pobre começo de resposta...

Olhar-se no espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo
(Lispector, Clarice. A descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 23).

Eu tenho pensado esses dias todos numa forma de processar todas as informações que você me passou e tentar te dar uma resposta à altura das que você me dá. Mas, já assumindo meu fracasso, não consegui. Sabe, meus primos e alguns amigos de infância dizem que eu sou pessimista [e dizem isso com carinho, acrescentando que o poder de mudar o mundo está nas mãos dos pessimistas, já que os otimistas estão acomodados no mundo maravilhoso em que vivem]. Uma qualidade que eu acho que eu tenho é que eu geralmente entendo as angústias das pessoas. Não por considerar-me um expert do mundo, nem por tê-las vivido todas. Mas, de alguma forma e por alguma razão que desconheço, entendo. E entender me coloca numa posição muito difícil. Não dá pra dizer “sim, eu compreendo, então afunde-se no sofrimento, que é o que te resta”. Não dá porque eu não penso assim e porque não seria nada confortante dizer algo desse tipo. Nem pra mim nem pra quem ouve. E eu não sei ao certo como te confortar... e, em geral, quando a gente procura alguém, um amigo pra desabafar, é atrás do conforto que a gente vai. Atrás daquilo de bom que a gente não vê, ou mesmo de uma saída alternativa sem ter que cruzar o fogo.

Minhas experiências amorosas, como você sabe, foram todas catastróficas. E eu nem seria medíocre a ponto de dizer 'calma, o que é seu ta guardado'. Mas, de certa forma, temos que ter calma, sim. Manter a cabeça no lugar, sabe?! E, em alguns momentos, pensar menos e agir mais. Parar de racionalizar coisas que não seguem o padrão cartesiano, porque isso nos deixa perdidos, mesmo.

Filmes, músicas... são espelhos turvos, côncavos, convexos... transportam-nos de alguma forma para nossa maior fantasia, nosso maior medo ou fazem-nos reviver nossa pior história. Fazem-nos pensar “isso foi feito pra mim”, ou “sou eu ali”. Mas, não. Muita gente se identifica com aquilo tudo e o conforto disso é sabermos que, seja qual for a nossa situação, alguém já passou ou passa por ela. Ou, no mínimo, pensou sobre ela. E propôs soluções que não necessariamente servem para serem seguidas, mas guiam-nos para um final. Um final que pode ser cruzar o oceano ou bater na porta do vizinho e descobrir que ele tem muito a nos dizer, muitos filmes a indicar que nos farão enxergar-nos de forma diferente, achar na gente aquilo que faltava para destravarmo-nos e sermos felizes. O conselho que eu te daria é esse: busque outras fontes, outros pontos de vista e mesmo outros projetos. Bares e boites ajudam em alguns momentos para algumas coisas... ainda que para percebermos que estamos, realmente, muito bem e acima de muita coisa. Ajuda-nos para fazer como disse a Clarice Lispector, encontrar a alegria de ser."

Thursday, August 10, 2006

Normal!

Hoje flagrei-me pensando sobre isto: afinal de contas, o que é normal? Procurei, assim que tive a chance, o verbete em meu dicionário de filosofia, e qual não foi minha surpresa ao não encontrá-lo. Como assim? Os grandes pensadores ao longo da história nunca questionaram-se sobre o normal/ a normalidade? Passado meu surto e já com a cabeça mais fria, entendi que o meu dicionário compacto de José Ferrater Mora - publicado “originalmente” em quatro grandes volumes – com certeza não possui, em suas 741 páginas, todos os verbetes constantes nas mais de 2000 páginas da publicação “original”.

Recorri, persistente que sou, ao nosso amigo Antônio Houaiss. E fiquei novamente assustado com a primeira definição da lista: “conforme a norma, a regra; regular” (esta última palavra, aliás, repete-se bastante nas outras acepções). É, de certo modo, evidente que existe uma relação entre as palavras norma e normal, pois suas etimologias são coincidentes. Suas origens estão no latim nórma e normális, respectivamente. O primeiro termo latino designa ‘esquadro, regra, norma, modelo, padrão’ e o segundo ‘feito, tirado a esquadria’. Ou seja, basicamente a norma é a causa, o objeto; e normal, a conseqüência, o resultado. São termos quase que matemáticos, o que prova que a regra (ou norma) é extremamente exata: ela generaliza, iguala. Seu objetivo é equacionar, mas muitas vezes acaba exponenciando matérias desnecessariamente. Houaiss diz-nos ainda que normal é usada para qualificar pessoas de ‘comportamento considerado aceitável, comum’. Em outras palavras, está dentro da normalidade aquela pessoa que comporta-se de acordo com o padrão.

Mas qual padrão? A sociedade em que vivemos possui muitos. Regras e seres humanos, se formos pensar severa e literalmente, não combinam. Somos indivíduos (do latim individùus: indivisível, uno, que não foi separado), cada qual com seus pensamentos e emoções próprios, e generalizações não se aplicam a nós. Entretanto, coletividade – sociedade – é o nome que damos à situação em que vários seres humanos têm uma vida comum. Aí volta-se ao ponto de partida: o padrão é a própria condição humana: a condição da individualidade, da unicidade. As normas devem, portanto, reger a convivência de modo que respeitemo-nos dentro do que somos: cada um com seus conceitos, suas aspirações, suas vontades, seus desejos, seus amores, seus sabores. O outro é o que é, e não o que gostaríamos que fosse.

Declaro, então, solenemente, a primeira e principal regra da normalidade (e também a menos seguida): o respeito. É ele que nos unifica, que nos identifica, que nos liberta. É nele que nos tornamos cada vez mais humanos.

Monday, July 10, 2006

Felicidade, Simplicidade, Complexidade

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(Velho Tema I – Vicente de Carvalho)

Outro dia Luiza indagou-me se acho a vida simples. Pego num dia em que eu não estava lá muito prolixo e embasbacado com a pergunta, disse-lhe que não, não achava a vida simples. Disse-me ela, entretanto, que ela sim achava a vida simples e acrescentou que nós é que a complicamos. Mais tarde, quando comentei seu texto sobre a felicidade, utilizei um extrato do soneto da felicidade [velho tema] do Vicente de Carvalho. E Luiza respondeu veloz e sabiamente que o soneto era a prova de que a vida é simples e quem a complica somos nós.

A questão vem me assombrando desde então, o que acabou me levando a dedicar algum tempo e algum fosfato a ela. Parei e pensei se julgam-se as coisas como elas são ou como elas deveriam ser. Julgar a partir da realidade é mais apropriado, a meu ver, pois a virtualidade do mundo das idéias o distancia de qualquer avaliação palpável, tornando o julgamento ainda mais subjetivo e, portanto, menos aplicável.

Respondo agora, Luiza, e certamente o faço com mais firmeza do que então: não acho a vida simples. A julgar pela conclusão a que cheguei sobre como avaliar as coisas, o próprio fato de que complicamos a vida a torna complexa. Digo mais: a vida não poderia ser simples. Se assim fosse, perderia boa parte do seu sentido, porque, se não a complicássemos, seria porque nossa capacidade de abstrair e trabalhar mentalmente os atos e fatos seria significativamente reduzida.

A beleza e o gosto da simplicidade não estão só na sua essência, mas na surpresa de nos depararmos com ela: no perceber que apenas um sorriso pode iluminar uma semana inteira; no entender que a natureza transpõe suas barreiras de forma ágil, esplendorosa e... simples. A simplicidade está nos olhos, está no olhar. No correr, no caminhar, no dormir e no despertar. E, sem os antônimos, os sinônimos perdem seu valor. Ou seja, a simplicidade depende da complexidade para existir enquanto unidade, enquanto excelência.

Continuemos, então, a complicar a vida. E agradeçamos por possuir esse dom. Entretanto, isto não significa abdicar das facilidades que este mesmo dom nos disponibiliza: a de fechar os olhos às vezes e simplesmente viver, sem abstrair, sem questionar; a de parar no acostamento depois da curva para apreciar as árvores e as borboletas que sobrevoam o abismo a nosso lado. Há muito o que aprender quanto à simplicidade e como atingi-la, como enxergá-la. Busquemos, então, respostas para isso. Tentemos. E consigamos!