Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(Velho Tema I – Vicente de Carvalho)
Outro dia Luiza indagou-me se acho a vida simples. Pego num dia em que eu não estava lá muito prolixo e embasbacado com a pergunta, disse-lhe que não, não achava a vida simples. Disse-me ela, entretanto, que ela sim achava a vida simples e acrescentou que nós é que a complicamos. Mais tarde, quando comentei seu texto sobre a felicidade, utilizei um extrato do soneto da felicidade [velho tema] do Vicente de Carvalho. E Luiza respondeu veloz e sabiamente que o soneto era a prova de que a vida é simples e quem a complica somos nós.
A questão vem me assombrando desde então, o que acabou me levando a dedicar algum tempo e algum fosfato a ela. Parei e pensei se julgam-se as coisas como elas são ou como elas deveriam ser. Julgar a partir da realidade é mais apropriado, a meu ver, pois a virtualidade do mundo das idéias o distancia de qualquer avaliação palpável, tornando o julgamento ainda mais subjetivo e, portanto, menos aplicável.
Respondo agora, Luiza, e certamente o faço com mais firmeza do que então: não acho a vida simples. A julgar pela conclusão a que cheguei sobre como avaliar as coisas, o próprio fato de que complicamos a vida a torna complexa. Digo mais: a vida não poderia ser simples. Se assim fosse, perderia boa parte do seu sentido, porque, se não a complicássemos, seria porque nossa capacidade de abstrair e trabalhar mentalmente os atos e fatos seria significativamente reduzida.
A beleza e o gosto da simplicidade não estão só na sua essência, mas na surpresa de nos depararmos com ela: no perceber que apenas um sorriso pode iluminar uma semana inteira; no entender que a natureza transpõe suas barreiras de forma ágil, esplendorosa e... simples. A simplicidade está nos olhos, está no olhar. No correr, no caminhar, no dormir e no despertar. E, sem os antônimos, os sinônimos perdem seu valor. Ou seja, a simplicidade depende da complexidade para existir enquanto unidade, enquanto excelência.
Continuemos, então, a complicar a vida. E agradeçamos por possuir esse dom. Entretanto, isto não significa abdicar das facilidades que este mesmo dom nos disponibiliza: a de fechar os olhos às vezes e simplesmente viver, sem abstrair, sem questionar; a de parar no acostamento depois da curva para apreciar as árvores e as borboletas que sobrevoam o abismo a nosso lado. Há muito o que aprender quanto à simplicidade e como atingi-la, como enxergá-la. Busquemos, então, respostas para isso. Tentemos. E consigamos!