Tuesday, January 16, 2007

Carta

"É claro que eu não me esqueci da resposta do seu e-mail. Toda vez que eu acesso o gmail, tem lá, ao lado da sua mensagem, um draft escrito em vermelho em homenagem ao meu pobre começo de resposta...

Olhar-se no espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo
(Lispector, Clarice. A descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 23).

Eu tenho pensado esses dias todos numa forma de processar todas as informações que você me passou e tentar te dar uma resposta à altura das que você me dá. Mas, já assumindo meu fracasso, não consegui. Sabe, meus primos e alguns amigos de infância dizem que eu sou pessimista [e dizem isso com carinho, acrescentando que o poder de mudar o mundo está nas mãos dos pessimistas, já que os otimistas estão acomodados no mundo maravilhoso em que vivem]. Uma qualidade que eu acho que eu tenho é que eu geralmente entendo as angústias das pessoas. Não por considerar-me um expert do mundo, nem por tê-las vivido todas. Mas, de alguma forma e por alguma razão que desconheço, entendo. E entender me coloca numa posição muito difícil. Não dá pra dizer “sim, eu compreendo, então afunde-se no sofrimento, que é o que te resta”. Não dá porque eu não penso assim e porque não seria nada confortante dizer algo desse tipo. Nem pra mim nem pra quem ouve. E eu não sei ao certo como te confortar... e, em geral, quando a gente procura alguém, um amigo pra desabafar, é atrás do conforto que a gente vai. Atrás daquilo de bom que a gente não vê, ou mesmo de uma saída alternativa sem ter que cruzar o fogo.

Minhas experiências amorosas, como você sabe, foram todas catastróficas. E eu nem seria medíocre a ponto de dizer 'calma, o que é seu ta guardado'. Mas, de certa forma, temos que ter calma, sim. Manter a cabeça no lugar, sabe?! E, em alguns momentos, pensar menos e agir mais. Parar de racionalizar coisas que não seguem o padrão cartesiano, porque isso nos deixa perdidos, mesmo.

Filmes, músicas... são espelhos turvos, côncavos, convexos... transportam-nos de alguma forma para nossa maior fantasia, nosso maior medo ou fazem-nos reviver nossa pior história. Fazem-nos pensar “isso foi feito pra mim”, ou “sou eu ali”. Mas, não. Muita gente se identifica com aquilo tudo e o conforto disso é sabermos que, seja qual for a nossa situação, alguém já passou ou passa por ela. Ou, no mínimo, pensou sobre ela. E propôs soluções que não necessariamente servem para serem seguidas, mas guiam-nos para um final. Um final que pode ser cruzar o oceano ou bater na porta do vizinho e descobrir que ele tem muito a nos dizer, muitos filmes a indicar que nos farão enxergar-nos de forma diferente, achar na gente aquilo que faltava para destravarmo-nos e sermos felizes. O conselho que eu te daria é esse: busque outras fontes, outros pontos de vista e mesmo outros projetos. Bares e boites ajudam em alguns momentos para algumas coisas... ainda que para percebermos que estamos, realmente, muito bem e acima de muita coisa. Ajuda-nos para fazer como disse a Clarice Lispector, encontrar a alegria de ser."

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